sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Universo Headbanger: A temida e implacável Morte

Atenção: Esse post é melhor apreciado ao som de Morbid Angel e de Black Sabbath.

O desenvolvimento científico e a consequente apropriação da Natureza mudaram a nossa relação com o conhecimento. Vários mistérios receberam respostas elegantes e lógicas. Hoje temos boas teorias científicas para questões polêmicas como a origem do universo, as forças que regem o movimento, a origem das espécies, o funcionamento fisiológico de nossos corpos etc. Esse tipo de conquista acabou gerando uma sociedade, principalmente no ocidente, mais materialista. Não confunda com aquele materialismo pejorativo no qual a pessoa valoriza mais os objetos do que as outras pessoas, o materialismo que falo aqui é o filosófico, no qual se compreende que tudo que existe é formado por matéria ou reduzível a processos de natureza material. Com essa visão mais materialista do mundo, um problema fica em aberto dentro do imaginário social: O que acontece depois da morte?

Ainda há, é claro, as explicações religiosas. Porém, a partir do momento que a ciência é a moeda de troca do conhecimento em nossa época e as instituições religiosas vão se relativizando e se adaptando a novos paradigmas, as nossas crenças subjetivas e espirituais garantem cada vez menos conforto. Nesse contexto, vai ser no espaço da morte que residirá nossas grandes dúvidas e, consequentemente, nossos grandes medos.



Esse espaço não poderia ser preenchido se não pela arte, inclusive, o heavy metal. O heavy Metal, no geral, se comunica através do choque, do conflito. Mesmo uma banda mais reflexiva vai usar elementos de conflito para atrair a atenção de seus ouvintes. Relacionar o tema da morte nas músicas vai se mostrar como um ótimo atrativo para a mensagem que a banda quer passar. A forma como a morte é apropriada pelo heavy metal varia e se confunde com as formas que a morte é apropriada na nossa vida e em nossa cultura.

Na antiguidade a morte era tratada mitologicamente de forma muito mais tranquila do que hoje. Na mitologia grega a morte do herói era também o ápice de sua vida. Era em seu momento de morte que ele alcançava o seu limite. Isso acabava tornando a morte também como uma ferramenta de autoconhecimento, pois e só na morte que o personagem cumpria (e conhecia) todo o seu potencial. Em algumas culturas a morte heroica é vista como uma forma de salvação. Na mitologia nórdica, por exemplo, o dia da sua morte já é predeterminado, porém, caso o viking morresse em batalha, ele iria para Valhalla, terra onde Odin reunia seu exército para a guerra do fim do mundo (ragnarok), lá seria um lugar onde os guerreiros passariam a vida lutando e bebendo esperando alegremente a última batalha. Já os que morressem de morte natural ou acidental (menos em naufrágios) iriam para o Hel que era uma terra melancólica onde os espíritos vagavam por toda a eternidade. Outra cultura que valoriza a morte heroica é o islã, onde, caso o fiel entregue a sua vida a Alá, ele garante o seu lugar no paraíso.

A morte heroica é uma das mais presentes no metal, principalmente nos estilos da família do power metal. Não tem forma melhor de dizer que a história foi dramática e que o sacrifício do protagonista foi enorme do que matando ele no fim, ou pelo menos deixando claro que a morte é o risco. A "Keeper of the Seven Keys" do Helloween é emblemática nesse sentido. Ela segue um ritmo de certa forma contínuo e rápido, até que chega no trecho em que Michael Kiske canta (grita):“Throw the key or you may die!” e o solo que segue é a parte mais melancólica da música. É importante dar ênfase que a jornada do guardião é mortal, é isso que faz grandes clássicos de músicas como essa.



Mesmo no início do cristianismo a morte era tratada apenas como uma passagem. A ideia de céu e inferno e da infinita misericórdia divina davam um aspecto natural ao falecimento. Porém, com a peste negra, a relação da morte com o desconhecido se intensificou. Um período onde um terço dos europeus morreu devido há uma doença desconhecida causou uma profunda ferida no inconsciente coletivo cristão. Desde então o medo da morte se intensificou na cultura ocidental. Com o renascimento e, posteriormente, com o desencantamento do mundo, esse medo teve o acréscimo da incerteza. Não mais vemos o paraíso como um lugar físico. Já viajamos pelo céu e sabemos que ele não está lá. Mesmo a religião cristã se mantendo forte até hoje, as vertentes protestantes tiraram o aspecto “mágico” que a religião tinha até então, fazendo com que as indulgências e a prática ritual não fossem mais garantias de salvação. Dentro da visão calvinista, por exemplo, não cabia ao indivíduo a sua própria salvação, mas sim a Deus. Nessa visão, Deus já havia escolhido, no momento da criação, as almas a serem salvas. A única “dica” que as pessoas teriam sobre o seu próprio salvamento seria a sua conduta, o fiel deveria viver como que se estivesse de passagem no mundo material, abnegando os prazeres e vivendo apenas para glorificar a Deus. Essa relação conflituosa com a morte e com a vida após a morte cria essa sensação terrível de incerteza.



Esse medo da morte é muito bem explorado no heavy metal. Como o estilo começou contando histórias ocultistas e de terror, a morte nesse sentido está presente em diversas vertentes do estilo. Uma música que explora muito bem o sentimento da peste negra é a "Plague and Fyre" da banda Hell. Uma música mais famosa que representa esse medo da morte é a "Raining Blood" do Slayer que fala de um juízo final duro e terrível. A força da música está na representação da espera tortuosa pelo juízo final no purgatório, uma clara ironia a benevolência das crenças cristãs.

O heavy metal tem uma estética muito ligada à força e ao poder. Em relação à morte não poderia ser diferente. As bandas mais pesadas normalmente tratam a morte como algo superável, ou controlável. Acho que não há melhor exemplo do que a "Stronger than Death" do Black Label Society que é uma análise bem peculiar da morte, tratando-a de uma forma bem fria e realista. Há também a apropriação do inferno como símbolo de força, como na "Welcome to Hell" do Venom. A simbologia da morte está também muito presente, como na adoção da personificação da morte como mascote pelo Children of Bodom ou o próprio morto-vivo Eddie, mascote do Iron Maiden.



A simbologia da morte é muito rica nas artes. A morte é a prova que estamos vivos e a vida é a prova que vamos morrer. O Mito grego de Sísifo é muito interessante para pensarmos simbolicamente a relação entre a morte e a vida. Sísifo era um cara muito esperto que conseguia tudo na lábia, era tão bom que acabou enganando até os deuses. Sísifo contou a Asopo, deus dos rios, que Zeus havia sequestrado sua filha Egina. Zeus ficou furioso e mandou Tanatos, deus da morte, perseguir Sísifo. Porém Sísifo prendeu Tanatos impedindo que as pessoas pudessem morrer. Ares então interviu e libertou Tanátos. Sísifo viu que não tinha como escapar e então pediu a sua esposa que não executasse os rituais funerários. Chegando ao mundo dos mortos, Sísifo se queixou a Hades da falta de consideração de sua esposa por não ter efetuado os rituais e solicitou permissão para que voltasse ao mundo dos vivos apenas para castiga-la. Hades aceitou e Sísifo não voltou ao mundo dos mortos até que morreu de velhice. Quando voltou Hades o condenou a empurrar uma pedra até o cume de um monte, caindo a pedra invariavelmente da montanha sempre que o topo era atingido. Esse processo foi repetido até a eternidade.



O mito de Sísifo é sujeito a diversas interpretações. A que eu mais gosto é que Sísifo viveu a sua vida toda com medo da morte e isso fez com que vivesse apenas lutando para evitar o fim. O seu maior anseio era viver eternamente, porém esse foi o seu próprio castigo. A ideia de carregar a pedra até o topo do morro pela eternidade pode ser encarada como uma metáfora para a vida. A vida é um constante carregar a pedra acima do morro, porém nunca conseguimos chegar até lá, o ideal seria que o nosso processo de carregar a pedra seja suficiente em si mesmo. Se esperarmos que a nossa vida só valha a pena quando a pedra estiver parada no topo, então nunca nos realizaremos, pois a morte chegará antes. Sísifo é um elogio a vida sem sentido. Ele é um dos poucos personagens da mitologia grega sem um objetivo definido, o seu único objetivo era viver, e ele acabou, ironicamente, conseguindo. Devemos sempre encarar a morte, pois é essa limitação que nos move, se tivéssemos certeza que viveríamos para sempre, jamais teríamos coragem de carregar as nossas pedras.


4 comentários:

  1. Eu acho que o medo é muito mais proveniente da solidão do que da própria morte... Por exemplo, sei que em boa parte do oriente, não vou especificar porque não tenho os dados precisos, mas falo em nome da "cultura japonesa" a morte é algo muito bem visto, tanto que dificilmente vc verá choro, dor, angústia ou desepero no funeral de algum japones tradicionalista. Pelo contrário, eles realizam uma especie de banquete que os ocidentais convencionaram a chamar de "festa"... efim, por outro lado, percebo que o medo da morte está muito mais relacionada ao sofrimento pela perda e da possível solidão do que o mistério de não saber para onde ir...
    Talvez as proprias pessoas nem saibam, mas sentem muito mais medo do sofrimento que podem ter antes de morrer do que da própria morte... Nem porque, e aí eu posso estar sendo muito simplista, para um bom cristão a morte é a salvação e tem coisa melhor do que estar ao lado de Deus pra quem crê nele???? Para o não cristão a morte pode ser o fim, e como é possível temer o fim???? eu por exemplo adoro o fim das minhas aulas, etc. Para o oriental dependendo da linhagem a morte é sinal de que a missão foi cumprida e o Karma transformado.
    Só vejo pontos positivos para a morte, mas vejo muitos negativos para quem permanece vivo...

    Parabéns pela reflexão... me ajudou a perceber que na minha lógica o medo não é proveniente da morte!

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  2. A morte tradicionalmente não é mesmo uma coisa que as pessoas temem, muitas vezes é vista apenas como uma passagem. Mas hoje em dia, devido as coisas que coloquei no post, a morte é o grande tabu da sociedade ocidental, cheguei a ver uma comparação de dois psicanalistas do tabu atual da morte com o tabu do sexo da época vitoriana.

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  3. olá, Vinicius.
    Post muito bom. Esse assunto é muito recorrente dentro do pensamento
    filosófico e essa questão é uma das principais. Se você for um adepto
    de Anaximandro de Mileto, acredita que a morte é seu castigo. Se você
    for um adepto de Platão, acredita na imortalidade da alma, ou seja, só
    o que morre é o corpo. A alma persiste voltando ao todo natural para
    se fazer em um único novamente.
    Acredito que a forma que o heavy metal trata da morte é justamente se
    baseando na morte dos heróis, pois como você disse, a morte era o
    ápice da vida deles. O heavy metal busca o lado mais reflexivo da
    morte, o que ficou, o que valeu, o que você aprendeu. E acho que isso
    é um processo importante na hora de lidar com a morte.
    Gostei de você ter usado o mito de Sísifo. Por Nietzsche, ele seria
    entendido como o eterno retorno: o ato de repetir eternamente uma
    sensação que você manteve em vida através de uma ação dolorosa.
    A vida nos mostra o que é a morte e a morte nos mostra a vida que
    passou.
    Enfim, falei horrores. =P É que vai tocar em filosofia, danou-se!!!
    kkkkkkkkk

    =**, Jowzinha

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  4. É sempre bom quando alguém que realmente entende de filosofia elogia as minhas viagens!

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