quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Raio X: Yesterday Don't Mean Shit - Porque amanhã é o dia que temos que encarar



Não há nada especial nisso
Isso existe quer você nasça ou não
Pessoas dotadas com talento não são grande coisa
Bem-vindo à morte de um século.

Porque o ontem não significa nada
O que aconteceu, aconteceu e não há nada no meio
Ontem não significa nada
Porque o amanhã é o dia que você tem que encarar
Não há como voltar ao passado
Ontem não significa nada
Ontem não significa nada

Reviver velhas avaliações
É uma ferramenta inútil de confusão
Não prenda sua respiração para se virar
Entre no mundo de possibilidades infinitas

Porque o ontem não significa nada
O que aconteceu, aconteceu e não há nada no meio
Ontem não significa nada
Porque o amanhã é o dia que você tem que encarar
Não há como voltar ao passado
Ontem não significa nada
Ontem não significa nada

Eles irão te falar sobre culpa
E na hora certa você enfrentará a escuridão
Mas a escuridão é uma amiga para você
Abrace e voe através da loucura
Voando passados Deus, guerras e conflitos
O opressor em você
Arando pelas mentes e paranoia
O opressor em você
O opressor está em você

Porque o ontem não significa nada
O que aconteceu, aconteceu e não há nada no meio
Ontem não significa nada
Porque o amanhã é o dia que você tem que encarar
Não há como voltar ao passado
Ontem não significa nada
Ontem não significa nada

Ontem não significa porra nenhuma

Para te proteger e eu guardarei pra mim mesmo
É assim que tem que ser!



O Raio X de hoje é de uma música que vai mais direta ao ponto do que de costume. Como uma boa música de thrash metal, a melhor forma de passar uma ideia é mostrar claramente o que você pensa sobre o assunto, sem muitos rodeios. A significação do passado é o alvo da “Yesterday Don’t Mean Shit” do Pantera.

A tese da música é clara: O passado não importa, o que realmente importa é como você vive o “hoje”. Não acho que a intenção seja o esquecimento completo do passado, mas sim a sua superação. A impressão que a música passa é que o passado não deve ser um peso na hora de lidar com o presente, quando erramos temos que ser fortes o suficiente para não deixar esses erros influenciarem negativamente nossas decisões.

Acho que o auge da música é o trecho: “Ontem não significa nada porque o amanhã é o dia que você tem que encarar”. A ideia, apesar de simples, carrega um conselho muito difícil de ser seguido. Muitas vezes agimos de forma errada, ou, pelo menos, contra nossa vontade, para concertar equívocos do passado. Deixamos de ser e fazer o que queremos pelo que éramos e acreditávamos anteriormente. Algumas vezes é difícil aceitar as mudanças, é difícil perceber que as nossas antigas convicções não mais fazem sentido e que não nos tornamos quem nós projetamos.

Tente se lembrar de como você era há 10 anos, você se reconheceria hoje? Esse seu “eu” do passado se orgulharia do que você se tornou? Ele concordaria com suas crenças atuais, com suas visões de mundo, com sua rotina e com todo o resto que faz você querer sair da cama e enfrentar um novo dia? Acredito que a mensagem da música é que isso não importa mais, porque nós mudamos e isso é bom.



Quem leu o livro 1984 de George Orwell (se ainda não leu, você não sabe o que está perdendo!) deve se lembrar da visão do personagem O’Brien da realidade (que resumia a visão do partido único opressor): A realidade só existe no espírito e em nenhuma outra parte. O personagem questiona Winston, protagonista do livro, se o passado existe em algum lugar, se ele está acontecendo paralelamente ao presente. A conclusão de Winston é que o passado existe apenas nos registros e na memória das pessoas. Porém, a partir disso, O’Brien mostra que o passado não é algo fixo, considerando que o partido controla os registros e que a mente individual é falha.

Essa referência ajuda a reforçar a relativização que a “Yesterday don’t Mean Shit” faz do passado. O passado não é uma “coisa”, ele não é algo que existe fora da gente. Se um vírus surgisse e acabasse com a vida na terra, nada do que aconteceu antes teria a menor importância para o resto do universo (a não ser que outros seres inteligentes resolvessem estudar nossa história). O que a gente faz e as coisas que acontecem desaparecem no exato instante seguinte, a não ser que fique registrado na memória de alguém, ou em alguma outra forma de registro. Filosoficamente falando, os nossos fantasmas do passado só nos assombram porque nós permitimos, o que passou não tem existência necessária, essas coisas só influenciam o presente se alguém não for capaz de esquecê-las.



Claro que esse tipo de visão é muito polarizada. Não é porque o passado pode ser esquecido que ele deva ser esquecido. O passado pode ter uma função parecida do mito, no sentido de nos dar exemplos, de nos fazer refletir sobre o presente. Quando o mito diz que Eva e Adão comeram do fruto proibido e que, graças a isso, Jeová expulsou o casal primordial do Jardim do Éden, a importância não é explicar literalmente o passado, mas ajudar a entender o presente. Essa história não teria valor nenhum se não fosse pela sua simbologia, ela ajuda a entender o pecado, a relação entre o homem e a mulher, a questão do conhecimento, do prazer e de várias coisas a partir da visão bíblica.

No mundo menos espiritual que vivemos hoje em dia, muitas vezes os mitos místicos não conseguem mais nos servir como guia para avaliar o presente e a história materialista acaba cumprindo essa função. Experimente tentar ver um personagem icônico como Hitler de uma forma menos polarizada e veja a reação das pessoas. Muitas delas não irão aceitar com facilidade. Um personagem demonizado como Hitler é importante para reforçar certos valores atuais, o valor de ainda sabermos quem ele era e o que ele fez não é apenas o mero registro. O que importa é que ele acabou se tornando, no imaginário coletivo, uma personificação dos erros da civilização no século XX. A trajetória dele e do nazismo mostrou para onde o racionalismo impessoal e a supervalorização do progresso técnico-científico pode nos levar se não houver uma maior reflexão crítica desses processos.



É claro que isso é só a minha visão e que a música em si valoriza muito mais o hoje do que eu, particularmente. Na tradução dessa letra no Whiplash, o tradutor diz que essa música foi uma resposta aos críticos que insistiam em lembrar do início glam metal da banda. Caso isso seja verdade, a mensagem é clara: você deve avaliar a qualidade de algo baseado apenas nele, não deve deixar os preconceitos ofuscar a verdadeira essência do presente. Não é porque o Sol nasce todos os dias no horizonte que ele vai continuar nascendo para sempre, e nada impede que a aurora de amanhã seja a mais bela de todas.


5 comentários:

  1. Acho que essa música não é uma versão politizada do ontem, hoje ou amanhã. Podemos encarar dessa forma, claro!!! Afinal as palavras tem milhões de significados e quando pensamos que ela está sendo usada em um sentido, ela está sendo usada em outro completamente diferente. Eu consigo encarar o fato aí de que Phil Anselmo sempre usava as músicas do Pantera pra expressar seus sentimentos confusos devido a ser um usuário de drogas e essa palavra do "ontem não importa" e tudo mais, pode ser também uma face do que o vício em drogas faz com você. Quando se é viciado em drogas, o que passou não importa. Importa o que vem pela frente.

    =**, Jowzinha

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  2. Normalmente eu não curto bandas de Thrash/ death metal por causa do vocal gritado/ gutural. Mas Pantera é diferente nesse sentido, dá pra entender o que o cara fala, e essa guitarra crua e dura é foda demais.
    Muito bom o post também, acho que este é um blog de música com uma proposta única.

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  3. Pantera, grande banda
    Gosto muito das letras das musicas deles
    R.I.P. Dimebag

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  4. Achei este post irado. Concordo com o que disse, e me amarro nesta música, e me identifico muito com ela.

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  5. Curti demais o post, gosto de como você apresenta interpretações para as musicas levando em conta o lado politico e cultural da época ^^

    DC.

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