terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Universo Headbanger: A Feminina e Mística Cultura Celta


Atenção: Este post é melhor apreciado ao som de Tuatha de Danann e Mago de Oz

No post de hoje falarei um pouco da cultura celta e de sua influência no heavy metal. Os celtas foram uma grande civilização que dominou boa parte da Europa ocidental e, assim como os nórdicos, nunca foram totalmente dominados. Aliás, pela forte identificação do povo irlandês e de alguns outros com os celtas, é possível dizer que estão aí até hoje, de certa forma.



Não dá pra falar do imaginário celta apenas como uma mitologia, nem valeria a pena tratá-lo como uma religião e cair no “esoterismo salada” dos nossos dias. Neste post tentarei mostrar que essa força da imagem céltica está em seu simbolismo como inspiração de resistência. Seja na busca de uma volta a um passado lúdico antes do domínio da razão em que o homem se fundia com a natureza, ou na busca de uma espiritualidade fora da lógica monoteísta, patriarcal e dogmática; a cultura celta se mostra como um fenômeno interessante de resgate de uma identidade européia.

Quando falamos dos celtas, estamos nos referindo a um conjunto bem heterogêneo de tribos que engloba os Gauleses, os Galegos, os Belgas e os Bretões, entre outros. É essa abrangência da cultura celta que traz todo esse simbolismo de “volta às origens”. É a ideia de celta que liga a história dos eternos rivais França e Inglaterra. É a própria identidade Celta que dá o nome ao País de Gales, ou que reforçou a resistência católica na Irlanda. Os grupos que se consideram celtas já defendiam a idéia de uma Europa unida antes mesmo da consolidação da União Europeia.

Bem, antes, vou resumir um pouco da mitologia celta em si. Como já dito, os celtas são um grupo heterogêneo e sua mitologia também não é diferente. Os celtas eram politeístas. A lista de divindades é grande e confusa. O conjunto do panteão irlandês é o bem conhecido dos headbangers aqui no Brasil: o “Tuatha dé Danann”, que pode ser traduzido como povo de Danú, ou nação de Danú. Danú seria (numa das versões) a deusa mais poderosa do panteão. Ela é a mãe terra, a deusa da vida e também da morte. Outro deus famoso é o Cernuno, que talvez fosse o marido ou então o filho da própria Danú. Mas essa é só uma versão dele, “Cernuno” é o nome dado a todas as representações celtas de um deus chifrudo.



Outro elemento bastante associado à mitologia celta são as fadas e os duendes. No caso das fadas, provavelmente elas são a versão “politicamente correta” de se tratar deuses pagãos na Europa cristã (outra forma era considerar como demônios mesmo), um povo acostumado a venerar os espíritos da floresta, não vai parar de um dia para o outro (muitos continuam até hoje). Já os Duendes, ao contrário do que eu imaginava, são a galera “do mal” do folclore celta. Eles são os espíritos que fazem as maldades inexplicáveis, tipo uma versão verde do saci pererê, eu acho.

Só que mais importante do que os seres sobrenaturais que eles acreditavam, é a estrutura da sociedade. Os Celtas talvez tenham sido a única civilização matriarcal. Existiram várias outras sociedades matriarcais, mas nenhuma chegou ao status de civilização (se é que os próprios celtas chegaram). Nós vivemos em uma sociedade patriarcal. Ela é baseada na razão, na hierarquia e na força, enquanto a sociedade matriarcal seria baseada no místico, na igualdade e na sexualidade. Os valores matriarcais são muito presentes nas reivindicações de nossa época: A equiparação (não igualdade) entre homens e mulheres, a igualdade de tratamento entre as pessoas e uma proximidade maior com a natureza. Esses valores celtas são bem contemporâneos afinal.

Outra coisa interessante sobre a cultura celta é o druidismo. Os Druidas eram os sacerdotes celtas, principalmente na região da Grã-Bretanha. Fontes Greco-Romanas atribuem a eles práticas de sacrifício humano. Uma ótima interpretação do druidismo está na série “Crônicas de Artur” do inglês Bernard Cornwell. Nestes livros, os druidas (entre eles o próprio Merlin) são o pilar da religião pagã, eles detêm todo conhecimento místico e frequentemente seus poderes são solicitados, inclusive em batalhas. Muito parecido com a ideia dos magos de fantasia, ou mesmo dos bruxos e bruxas das lendas.



Todos esses elementos culturais se mantiveram pelos séculos, principalmente devido às histórias do ciclo arturiano, cujo personagem principal é o fundador mitológico da Inglaterra e cuja história é referência de heroísmo até hoje. Tanto a história do rei Artur quanto a história de Tristão e Isolda têm interpretações ótimas feitas pelo Blind Guardian, vale muito a pena ouvir “A Past and Future Secret“ e “The Maiden And the Minstrel Knight”.

Toda essa idéia de valorização do místico e de volta às origens que vem com o ressurgimento da cultura celta acaba sendo uma forma de protesto à sociedade racionalizada e mecanizada em que vivemos. A razão e, principalmente, a ciência foram sempre grandes promessas de uma humanidade livre e justa. Porém o século XX foi uma grande demonstração da própria irracionalidade que a nossa sociedade estava imersa. No fim das contas, o progresso técnico foi mais útil para criar armas do que para criar soluções.

Claro que essa é uma visão muito parcial (e que eu particularmente tenho minhas ressalvas), porém esse sentimento de busca de um natural místico, de unidade com a natureza e com os nossos instintos, faz com que a apropriação de elementos antigos de uma cultura muito diferente ganhe força. Isso não poderia ser diferente no Heavy Metal.



No Geral, o heavy metal carrega uma forte característica patriarcal; afinal, não é à toa que a grande maioria dos músicos são homens. A Razão e, principalmente, a Força são elementos muito valorizados no estilo como um todo. Porém, há um elemento que ajudou a fundar o Heavy Metal que está muito presente na cultura celta: o misticismo.

O que encanta nas narrativas celtas é a forte presença do sobrenatural. No mundo celta, tudo é vivo. Além disso, a grande heterogeneidade das suas crenças traz certa possibilidade de criação. A própria história do Rei Artur foi contada de diversas formas e assim continuará, pois sempre haverá espaço para novas interpretações do mitológico rei da Bretanha. Esses elementos de criação não seriam ignorados pelo heavy metal tão facilmente.

Mesmo a mitologia celta agregando valores não convencionais ao metal, o principal valor das duas visões de mundo é compartilhado: a liberdade. É inclusive essa liberdade do heavy metal que faz com que um estilo tão marcado por instrumentos potentes e graves se incorporasse a flauta. É essa liberdade que a idéia do renascimento celta traz: A liberdade da subjetividade, de amar antes de entender, de se preocupar com os mais fracos, com os que não têm voz. O toque celta, mesmo que sentimental demais para a dureza do heavy metal, é a comprovação de que o metal é um estilo crítico acima de tudo.


6 comentários:

  1. Maravilhoso o post, sou uma apaixonada pelo misticismo celta, que ainda estou conhecendo-o. E jamais pensei em compara-lo com o Heavy Metal, e você comparou muito bem pois os celtas sempre buscam o que hoje é buscado, o entendimento da natureza e equiparação dos gêneros.
    Agora só falta para ficar completa a ligação entre o Heavy Metal (ou outra classificação do metal) e o celtismo é a valorização das mulheres nesse contexto.

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  2. Bem interessante o post.
    A visão de duendes como criaturas malignas só comprova minha teoria fundamentada há muito tempo, que duendes desaparecem com as coisas do dia-a-dia.
    O interessante da cultura é que apesar dela nascer e ser substancial no centro da europa, também ultrapassa o continente e abrange lendas inglesas e irlandesas, por exemplo o mito do Rei Arthur, como você citou.

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  3. Pelo que eu li ... a Ilha Bretã era vista como a terra prometida dos celtas. Tanto que é na Irlanda o local onde a cultura sobrevive mais

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  4. Adorei cara. Muitas das informações citadas por você aí eu não conhecia... Por isso os duendes sempre aparecem fumando maconha. São criaturas malignas!!! kkkkkkkkkkkkk Brincadeira.
    E adoro as fadas... Elas são espíritos de luz. Protetoras de algo natural. Tipo um anjo.
    É uma mitologia muito bonita e passiva de muitas associações ao real.

    =**, Jowzinha
    Pensando Música.

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  5. Então, a cultura tem seu nascimento na europa centro/norte até onde sei.
    Enfim, eu acho que me expressei mal também, o foco cultural é de fato nas ilhas Bretãs. Eu alegei que no passado a cultura foi substancial no centro europeu, tanto que roma teve grandes problemas com os celtas antes da dominação romana.

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  6. o que você falou tá certo. Os celtas são um povo de origem indo-europeia. Mas como eles tinham um mito de terra prometida (assim como os Judeus), alguns foram migrando até chegar na Bretanha. E lá foi considerado como esse lugar.

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