quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Raio X: Born in a Mourning Hall - "Preso dentro de uma teia chamada vida"




“De fato isso foi quase uma explosão (fallout) real
Tudo está sob controle”
O narrador disse com um sorriso sério
Atrás de sua máscara
Ele sabia a verdade
“Eu trarei uma nova era de melhores caminhos”
O pregador da TV disse
“Apenas pague hoje
Pague hoje”

O mundo está vestido de preto
No dia do julgamento da terra
E eu?
Eu sei que isto não pode continuar
Sinais proibidos aumentam
Eu estou sentado em casa
E observando

Nascido em um aposento de lamentações
Nuvens pálidas temeram
A criança não nascida
Então ela cresceu com planos crescentes
De suicídio
Nascido em um aposento de lamentações
Sombras deixam o medo dentro
Aquele Peter Pan nunca irá alcançar
O outro lado

É aterrorizante
Excitante sentar em casa
E observar os campos em chamas
Ser hipnotizado pela cobra da TV

Obedeça, trabalhe duro
E não sinta raiva
Apenas simpatia pela alta classe
Não há chance de mudar as coisas
Porque eu sou

Nascido em um aposento de lamentações
Gritos silenciosos ocorrem
Quando o berço quebra
Sonhos destruídos não foram ouvidos
No outro lado
Nascido em um aposento de lamentações
Sombras deixam o medo
na criança recém-nascida
Aquele Peter Pan nunca irá alcançar
O outro lado

E eu sou parte da máquina
Um fantoche nas cordas
Um rebelde, outrora
Agora eu sou um homem velho

Eu sei que isto não pode continuar
Mas o fantasma chamado medo interior
Aleija minha língua
Meus nervos, minha mente
Queda eterna
Alguém corta as cordas
Eu não consigo me mexer
Para recuperar a coragem
Eu tenho que encarar a verdade
Mas não hoje
Adeus

Nascido em um aposento de lamentações
Preso dentro de uma teia chamada vida
O único jeito de sair dela logo
É o suicídio
Nascido em um aposento de lamentações
Almas pálidas constroem um mundo gelado
Cérebros infectados
Nunca alcançarão o outro lado
O outro lado



O post de hoje vai falar da ótima “Born in a Mourning Hall” do Blind Guardian! Se você gosta de músicas que não tenham apenas letras, mas sim poemas, Blind Guardian é a banda para você. Eles são mestres na arte da composição, eles elevam a arte de fazer heavy metal a outro patamar. Uma das coisas mais impressionantes é que eles conseguem fazer quase todas as músicas sem rimar e é muito difícil de perceber quando você ouve despreocupadamente. Além disso, a grande maioria das músicas dos caras são interpretações de obras de ficção, de momentos históricos ou de passagens mitológicas. O interessante é que eles não recontam as obras em suas músicas, eles revivem os personagens. Ouvir Blind Guardian cantando sobre um algo que você goste é uma experiência ímpar.

Born in a Mourning Hall foge um pouco da regra, pois o personagem que a banda nos apresenta está falando sobre a realidade atual (de 1996). Assim como em Paradise e Livin’ on a Chain Gang, o eu lírico começa assistindo TV, nesse caso a TV é o que motiva a reflexão sobre o mundo, principalmente pelo que ela não diz. Temos duas críticas já na primeira estrofe, mas elas se interligam. O jornalismo da TV tenta manter as pessoas em medo constante, no caso relatado, o medo é em relação a um acidente radioativo (fallout). Já a religião da TV se aproveita deste mesmo medo, para que você contribua financeiramente.

É interessante essa ideia de medo constante. Apesar de vivermos em um país violento, ninguém estranha termos vários programas que ficam “caçando” desgraça pelas ruas durante a tarde? Será que não há nenhum outro tipo de notícia para transmitir? Apesar de ser triste, não sei por que é tão importante que saibamos de todos os delitos cometidos durante o dia. A melhor explicação pra isso que eu já ouvi vem do documentário “Tiros em Columbine” de Michael Moore: Enquanto as pessoas estiverem com medo, não arriscarão subverter o status quo, enquanto não estiverem seguras em sair na rua, não vale a pena tentar resolver problemas mais urgentes. Esse tipo de argumento é ainda mais aprofundado no livro “1984” de George Orwell, onde o governo de “Oceania” está em guerra constante contra seus inimigos, muito provavelmente apenas para justificar todos os abusos de poder.



No decorrer da música somos apresentados a uma pessoa consciente das contradições do sistema, mas que se vê impossibilitada de agir. Aparentemente, o personagem descrito lutou contra tudo isso e falhou em seus objetivos. Mas não foi uma derrota física, foi uma derrota mental. A própria experiência de vida mostrou insistentemente que ele era muito insignificante perto da magnitude da estrutura estabelecida. Creio que muitas pessoas se sentem assim (eu sou uma delas): apesar de considerarem que o mundo poderia ser bem melhor, não encontram nenhum tipo de opção que traga algum horizonte de melhora. É claro que sempre podemos melhorar um pouco a vida das pessoas a nossa volta, mas com o tempo as coisas voltam a ser como sempre foram. A impressão é que nada nunca muda.

Porém, nos refrões, quem se comunica com o ouvinte é uma espécie de narrador que, através de metáforas, explicam o porquê de toda essa imobilidade. A impotência do personagem é muito mais interior do que exterior: Almas pálidas constroem um mundo gelado / Cérebros infectados / Nunca alcançarão o outro lado. O mundo em que vivemos é um pouco cruel nesse sentido. Diferentemente de outras épocas, em que as coisas eram como eram porque deveriam ser daquele jeito, qualquer um tem acesso fácil a diversos livros subversivos que vão do Manifesto Comunista até o Mein Kampf hoje em dia. Qualquer um que se interesse tem acesso aos mais diversos tipos de visão de mundo, mas somos tão condicionados a aceitar que o Estado e o sistema econômico são inatingíveis, que não enxergamos nenhum horizonte de mudança real, pelo menos não para melhor. É muito comum as pessoas não simpatizarem com seus governos e com o mundo em geral, mas mesmo assim, seus cérebros infectados não conseguem dar o primeiro passo em direção ao outro lado.

A mensagem que essa música passa é um pouco desanimadora, mas, apesar disso, ela causa um incômodo benéfico na minha opinião. A única coisa que não pode impedir-nos de fazer o que achamos certo é nós mesmos. Nunca saberemos se é possível mudar se não tentarmos, deixar de acreditar em algo sem antes tentar colocar em prática, pode ser um desperdício sem tamanho. Mesmo que acabemos como um rebelde frustrado, pelo menos teremos consciência que tentamos.


4 comentários:

  1. Poisé... Sou mais uma com as cordas cortadas... Mais uma presa na teia...

    Enfim, sensacional o post e o blog como um todo. Parabéns ^^

    Desde que descobri o blog sempre acompanho as postagens. Adoro sua forma de escrever, Vinícius. Comunica de uma forma expressiva; sofisticada mas ao mesmo tempo acessível ao leitor, interligando fundamentações e críticas. Admiro pessoas que têm esse talento.

    Quem sabe um dia não chego a este patamar... Quem sabe...

    Até mais ^^

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  2. Muito obrigado pelos elogios, são uma ótima motivação para levar o blog cada vez mais a sério!

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  3. Só as tietes aí hein!!! USAhuashuahauhasuas

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