quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Raio X: The Number of the Beast - Culto ou Narrativa? (parte 2)

Não adianta ler a parte 2 sem ter lido a parte 1! Lá eu falo as minhas impressões sobre a The Number of the Beast e justifico o tema.

Para entender a motivação que levaria o Iron Maiden a escrever uma música mencionando um ritual satânico sem muito rodeio, precisamos voltar mais um pouco no tempo. Os anos 70 foram os anos do rock progressivo. Era o ápice do eruditismo no rock. Bandas como Pink Floyd e Jethro Tull incorporavam temas e instrumentos eruditos em suas músicas conceituais. Paralelamente, o Hard Rock e o Heavy Metal estavam consolidados na imagem de Bandas como o Led Zeppelin e o Deep Purple.

Não é incomum na arte que um novo estilo seja radicalmente oposto ao anterior, isso também ocorre no rock. Na metade dos anos 70 nascia o Punk Rock, um estilo agressivo caracterizado pela radicalização política e a filosofia do “faça você mesmo”. Porém, quando o punk começou a se firmar no cenário inglês,o heavy metal ameaçava ser deixado de lado, mas a resposta veio à altura, nascia o New Wave of British Heavy Metal.

O NWOBHM. Trazia de volta alguns elementos do heavy metal que já eram praticado nos anos 70, mas  incrementava com tempos mais rápidos e som mais pesado e até mesmo alguns elementos do próprio punk. Era um estilo jovem condizente com aquele momento de transição tanto musical quanto política. Foi o NWOBHM que possibilitou estilos de metal mais extremos como o thrash metal e o death metal.

Inserido no NWOBHM, o Iron Maiden se diferenciava das outras bandas de sua época. Enquanto as outras bandas cantavam sobre política, sexo e drogas, a banda de Steve Harris estava cantando sobre história (Genghis Khan) e literatura (Phantom of the Opera). Ainda que, no começo da banda, fosse possível perceber as influencias de sua época. No single Sanctuary vemos o Eddie assassinando a então primeira-ministra Margaret Thatcher.


Outro fator importante de ressaltar é que, nos anos 80, o histórico da religião contra o rock era bem recheado. A igreja se posicionava contra este estilo de música desde a época dos Beatles e nada melhor para incentivar alguém do que proibi-lo. Citações e críticas a elementos religiosos cresceram no rock de forma vertiginosa após John Lennon dizer que era mais famoso que Jesus. As críticas vão desde o “no religion too” da musica “Imagine”, do próprio Lennon, até bandas declaradamente satânicas de black metal. Mas é importante saber separar as coisas, algumas vezes os elementos religiosos não são utilizados como crítica, apenas como elementos de terror.

Nada melhor que o sobrenatural para criar um ambiente de horror na arte. Ninguém estranhou a explicação para os primeiros filmes de George A. Romero para os zumbis. A lógica era simples, o inferno estava lotado, os mortos não tinham outro lugar para andar que não fosse a própria terra. A Igreja católica também teve os seus momentos de terror na arte. A figura abaixo foi pintada por uma freira, em uma enciclopédia de imagens no século XII.



O terror como gênero artístico ajudou a fundar o Heavy Metal. O Black Sabbath com suas letras sombrias, fazendo referencias a rituais pagãos, moldaram muito do que seria a estética do Metal. Mesmo quando não relacionados com religião, os temas como morte, violência, ocultismo são marcantes no gênero até hoje. A donzela de ferro teve como um de seus principais méritos não se deixar levar pela onda minimalista de sua época, mas produzir músicas contestadoras de formas variadas, com um pouco do eruditismo dos anos 70 em suas composições.

Aparentemente, (entenda: “eu li na Wikipédia que...”) uma das inspirações de Steve Harris na composição de The Number of the Beast é um poema escrito no fim do século XVIII chamado Tam o' Shanter. Devido ao meu inglês aprendido em seriados e filmes pipoca (além de música é claro), não sou capaz de entender um poema em um inglês tão arcaico. A história parece ser de um fazendeiro que se deparou com umas bruxas fazendo um ritual sombrio, então ele foi então perseguido e morto por uma delas.
 
A semelhança mais marcante com a música do Iron Maiden é o fato de ser um poema narrativo, ou seja, um poema com enredo, um conceito que é muito utilizado no heavy metal até hoje. Não é raro encontrar músicas com mais de 10 minutos que narram grandes épicos (como em And Then There Was Silence). Talvez, os críticos religiosos não tenham percebido que nem sempre as músicas querem convencer o ouvinte de algo, quem ouve metal sabe que é muito normal que uma música queira apenas contar uma boa história. Porém quando analisamos uma obra de forma parcial, com uma leitura direcionada, encontramos mensagens satânicas até na música “paparazzi” da Lady Gaga!

Não sabemos o que pode ter passado exatamente na cabeça de Steve Harris quando ele compôs um dos principais clássicos do rock. Talvez até possa ter sido obra do Cão, mas olhar para essa pérola musical com preconceito, pode te privar de uma experiência musical única.

8 comentários:

  1. Muito bom, continue assim e poderá explicar muitas coisas sobre a música, com certeza terá público.

    ResponderExcluir
  2. Massa, Vinícius. Interessante a busca contextual nas artes, religião e política.

    ResponderExcluir
  3. Já tem mais um fã... Estarei marketando seu blog. Daquele jeito! auehauehaue

    ResponderExcluir
  4. Achei bacana o q vc escreveu,como sou estudante de letras sempre olho para o texto a fim de analisar o valor estético daquilo q foi escrito. E isso não é bom, prefiria ter sempre uma leitura q me levasse apenas ao valor emocional da coisa, sem um olhar mais crítico. Gosto muito do Iron Maiden e estou até pensando em trabalhar com algumas letras deles na facu. O q posso te dizer é q não temos o próprio tinhoso como personagem-protagonista, a última fala é o q sería correspondente a uma ilhota textual, ou seja, a reprodução fiel da fala do outro, qto as intenções de Steve, bem... tem muita confusão qto a diferença entre o eu-lírico e o eu-empírico. Se vc tiver interesses em relação a isso, tem um ótimo ensaio do Antônio Cândido sobre construção de personagens, acho q é "A personagem de ficção", também há vários ensaios q falam sobre o desenrolar do romance no século XX, q fala justamente sobre como tem se dado as narrativas e pode te ajudar a entender sobre certos interesses temáticos, indico "A teoria do romance " de Mikhail Bakhtin, ele fala sobre várias estéticas e acho q dá pra relacionar bastante coisa aí... Continue escrevendo!!!

    ResponderExcluir
  5. Obrigado, é bom saber que o blog agrada também quem realmente entende do assunto!

    ResponderExcluir
  6. Bem, se entendo tanto do assunto já não sei, mas curto muito o Maiden e me interesso bastante sobre estas discussões...

    ResponderExcluir
  7. Sou o Angelo, tenho 14 anos, e estou adorando o blog. Escuto metal ha uns 3 ou 4 anos, e sempre me importei em saber o que estava ouvindo. Sempre correndo atras de traducoes, e tentando descobrir o verdadeiro sentido das musicas. Porem algumas, por possuirem uma letra muito complexa e uma tematica abrangendo uma amplidao de subtemas, dificultam a compreensao... Com essas analises fica mais simples estabelecer pontos de vista sobre determinada mensagem de uma letra. Number of the beast, por exemplo, era uma letra que eu ja tinha como apologia ao satanismo. Mas essa analise permitiu-me reformular meu ponto de vista...
    Tenho consciencia de que comentei num post antigo, mas se leres este comentario, responda a este e-mail: angelodamascenoorio@gmail.com

    ResponderExcluir